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Um jornalista também pode chorar

MÁRIO MARTINS

Foi há 22 anos. A 13 de Abril.
Nesse dia o Jornal de Notícias publicou o texto mais sofrido que escrevi em 41 anos de actividade jornalística. Era a história de uma bela jovem mulher-polícia que, de repente, se viu sem a filha, levada pelo pai para o Brasil.

Corajosa, meteu-se num avião e foi à procura da criança, pequenita. Não sabia quase nada – nem número de telefone, nem nome de rua, nem bairro, nem se era no centro ou nos subúrbios. Levava consigo apenas um nome: Recife.
No destino contou com a solidariedade dos colegas da Polícia brasileira. Durante dias calcorreou ruas e ruas, na esperança de encontrar a filha. Alguma coisa, dentro dela, lhe dizia que iria ter sucesso. E assim aconteceu. Não foi fácil, o reencontro teve contornos dramáticos. Mas a mãe voltava a poder abraçar a filha meses depois. O drama chegara ao fim.

A história é muito complexa, mas eu – confesso – não tive ainda coragem de a reler. Um dia irei fazê-lo, se possível na companhia desta Mãe Coragem e da Filha. Agora, mais não fiz do que fotografar as páginas do JN. E apelar à memória para recordar uma situação que marcou a minha carreira profissional.

A notícia/entrevista/reportagem tem muitas histórias associadas.
O caso foi noticiado em primeira mão pela Leonete Botelho, no Diário de Coimbra. Eu tentei, uns dias depois, desenvolver o assunto, mas impus a mim mesmo uma condição: ter fotos da mãe e da filha, já que o DC não publicara qualquer imagem. Não foi fácil consegui-lo, mas contei com a ajuda de uma boa amiga para convencer a protagonista da história. As fotos foram feitas pelo Manuel Correia no Jardim Botânico, numa tarde de sol, com o cuidado de preservar a imagem da criança, que surge de costas na 1.ª página do jornal.

A entrevista tinha sido realizada na véspera. Uma conversa muito dolorosa.
Logo no início, perante os pormenores do drama que a jovem mulher-polícia vivera no Brasil, não aguentei as lágrimas. Tentei disfarçar, mas não consegui. Chorei, chorei, chorei… durante a hora e meia de conversa. Eu de um lado da secretária, ela do outro. Olhos nos olhos.
Os jornalistas são seres humanos como os outros, apesar de alguns “teóricos do Jornalismo” afirmarem o contrário. Não sabem do que falam.
[Este tema tem “pano para mangas”, mas não é o momento adequado para o tratar. Fica para outra oportunidade.]

A mulher-polícia, afogada em dívidas pelas despesas efectuadas para ir resgatar a filha ao Brasil, fez de tudo um pouco: limpou casas, lavou louça em restaurantes, pintou quadros, vendeu ouro. Uma mulher com M muito maiúsculo!
No dia 14 de Abril, o dia seguinte à publicação da notícia/entrevista/reportagem no JN, chegou um envelope com um cheque ao Comando Distrital da PSP. Segundo me disseram na altura (informação que não me recordo se foi publicada ou não), tinha sido enviado pelos Bombeiros Voluntários de Lourosa, que se quotizaram para ajudar logo que leram o jornal. No mesmo dia! Era de valor significativo. E outros foram chegando. O texto gerou uma onda de solidariedade para com a mulher-polícia e a filha.

Nunca mais as vi – nem à mãe, nem à filha. Passaram entretanto 22 anos. Certinhos.
Há cerca de um ano, a mãe (que continua na PSP, agora em funções de destaque) “reencontrou-me” no Facebook. Trocámos mensagens, combinámos tomar café num dia qualquer. Um dia destes.
Agora sem lágrimas. Talvez.

Pagina-JN-13041992

Jornal de Notícias, 13 de Abril de 1992

(clique AQUI ou na imagem para aceder à página em formato maior)

 

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