Publicam-se em Coimbra dois jornais diários e quatro semanários, sendo que dois destes últimos, “O Despertar” e “O Amigo do Povo”, são os mais antigos de todos, encontrando-se ambos no 96.º ano de publicação.
Deixemos estes dois de parte e analisemos – ainda que de forma superficial – a forma como os outros quatro se referiram às eleições autárquicas no concelho de Coimbra.
PRÉ-CAMPANHA
O facto mais significativo foi o debate organizado pelo Diário As Beiras, que juntou os sete candidatos à presidência da Câmara Municipal no auditório do ISCAC, em Bencanta. O espaço revelou-se pequeno para as mais de 500 pessoas que assistiram à troca de argumentos.
Sucesso assinalável para o mais jovem dos diários que se publicam na cidade, que publicou depois desenvolvida reportagem em seis páginas da edição de 7 de Setembro: uma de descrição; três com as propostas em discurso directo dos vários candidatos; e mais duas de reportagem fotográfica [uma moda que praticamente só existe na Imprensa que se publica em Coimbra e que, volta e meia, como é o repetido caso das fotos nos camarotes do Estádio do Calhabé, assume características de verdadeira “praga”].
O papel dos jornais, enquanto actores da vida da comunidade, não é apenas o de noticiar acontecimentos, divulgar opiniões. Eles têm, igualmente, o dever de serem agentes dinamizadores da própria sociedade. Com a organização deste debate, o Diário As Beiras assumiu exemplarmente essa função. Nota (muito) positiva, portanto.
No outro prato da balança esteve, neste caso concreto, o Diário de Coimbra, que não publicou uma linha, uma única, sobre a iniciativa do seu concorrente. Nem antes nem depois. Ou seja: quem lê exclusivamente o Diário de Coimbra ainda hoje desconhece que se realizou o debate, inegavelmente o primeiro “momento alto” (talvez, o maior de todos) da campanha eleitoral em Coimbra. Nota (muito) negativa, portanto.
DIA SEGUINTE
Na segunda-feira, os dois jornais diários dedicaram grande espaço às eleições: 15 páginas (em 40) no caso do Diário As Beiras, 20 páginas (em 48) no caso do Diário de Coimbra.
Ambos destacaram na capa a vitória de Manuel Machado em Coimbra e do PS no distrito. «Machado ganha em Coimbra e PS vence em 12 câmaras no distrito», titulou o Diário As Beiras, numa única frase. O Diário de Coimbra optou por dois títulos distintos: «Socialistas arrasam PSD no distrito» e «Manuel Machado recupera Câmara de Coimbra».
Se de uma competição se tratasse, a vitória na segunda-feira pertenceria ao Diário de Coimbra: apesar de não dispor de cor em todas as páginas, ao contrário do concorrente, o Diário de Coimbra apresentou uma informação mais profunda, mais coerentemente organizada, mais facilmente legível e mais agradável em termos estéticos. Triunfo indiscutível.
[A “noite eleitoral” na Redacção de um jornal é dos momentos de maior “stress” – e um “stress” colectivo. São horas de luta constante contra o relógio, contra os atrasos na divulgação dos resultados, contra o esquecimento de introduzir um ou outro dado numérico nos quadros antecipadamente preparados.
A adrenalina corre. Para quem está no jornalismo por paixão (o estádio mais elevado de exercício da profissão, depois do “jornalismo como ocupação” e o “jornalismo como profissão”) trata-se de momentos de muito trabalho, mas também de prazer intenso. Momentos poucas vezes repetidos.]
OS DIAS SEGUINTES
Se há erros que são desculpáveis nas edições do dia seguinte ao acto eleitoral (ia a escrever, erros que são… inevitáveis), dada a pressão do tempo, o mesmo já não se pode dizer das edições seguintes, que devem servir para explicar (enquadrar) o que acabou de suceder.
Na terça-feira, os dois diários dedicaram quatro páginas às “Autárquicas”. Trabalhos muito semelhantes, com uma nota de destaque para o Diário de Coimbra: publicou declarações de Jaime Soares, ex-presidente da Câmara de Poiares, o “dinossauro” do distrito, que viu a autarquia passar para as mãos do PS ao fim de 37 anos.
Uma curiosidade: ambos os jornais “foram almoçar” com o presidente eleito em Coimbra ao “Cantinho dos Reis”, no Terreiro da Erva.
Na quarta-feira, o Diário As Beiras publicou duas páginas na secção “eleições autárquicas 2013” e o Diário de Coimbra já não publicou qualquer “página especial” sobre o tema.
ESTRANHO
Na quarta-feira, não deixava de ser estranho que os jornais diários de Coimbra continuassem sem publicar duas (quase três…) das quatro principais novidades resultantes das eleições de domingo.
[Um dos principais valores-notícia é a novidade, a originalidade. O jornalismo alimenta-se do que é novo, da “primeira vez”, do inédito.]
O resultado das eleições de domingo, no que ao concelho de Coimbra diz respeito, encerra QUATRO novidades:
1. Manuel Machado foi o vencedor das eleições.
2. Pela primeira vez, um grupo de cidadãos elegeu um vereador.
3. Pela primeira vez, o número dos eleitores que não escolheram qualquer candidato foi superior ao dos que escolheram.
4. Manuel Machado é o presidente eleito com MENOS VOTOS desde que há eleições.
A novidade n.º 1 foi noticiada com destaque. A novidade n.º 2 foi noticiada indirectamente. A novidade n.º 3 foi esquecida. A novidade n.º 4 também foi esquecida.
Estranho – eis a palavra que me ocorre para classificar esta situação.
OS SEMANÁRIOS
Hoje, quinta-feira, “Campeão das Províncias” (no 14.º ano de publicação) e “Correio de Coimbra (no 92.º ano de publicação) dedicam espaços diferentes às eleições.
O “Campeão das Províncias” ignora o assunto na capa, mas dedica-lhe integralmente as páginas 2 e 3. Com grande qualidade. Apelando à memória, refere que o PSD conquistou em 2001 tantas Câmaras como o PS venceu agora – 12. Por outro lado, publica a lista nominal dos membros da Assembleia Municipal de Coimbra, algo que os jornais diários se esqueceram de fazer. E analisa os “números”, fazendo algumas referências [que agradeço] a este blogue.
O “Correio de Coimbra”, menos vocacionado para questões de análise política, chama as eleições à 1.ª página e publica dois textos: «Machado volta à Câmara com a menor votação de sempre» [texto da minha autoria] e «Eleições autárquicas: cor de rosa no distrito de Coimbra».
No conjunto, são trabalhos adaptados às características de cada semanário e com a abordagem que se espera de um jornal que é publicado quatro dias depois do acto eleitoral.
COMUNICADO SEM RESPOSTA
Na manhã da sexta-feira anterior às eleições, o movimento Cidadãos Por Coimbra divulgou um comunicado em que critica duramente o Diário de Coimbra. Algo de inédito.
Trata-se de um texto muito violento, porventura a crítica mais cerrada que alguma vez li dirigida a uma publicação de Coimbra.
Fiquei à espera da reacção do jornal. Um comunicado daqueles merece uma resposta. [Escuso-me de justificar neste momento, dada a extensão do texto, as razões que me levam a pensar assim.]
Pelo que me é dado perceber, não houve qualquer reacção do jornal.
UMA CURIOSIDADE
A “linguagem das notícias” deve ser rigorosa. Sempre. Mas especialmente quando se comentam números. Porque, como escrevi há dias, «o 1 é o 1 e não pode ser o 2».
Neste “recorte” (página 5 da edição de segunda-feira do Diário de Coimbra) veja-se como a palavra «cerca» destrói a realidade. Substituam no texto a expressão «também cerca» pela palavra «mais» e, então sim, a frase estará de acordo com a realidade.