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Um texto que fala de mim (aos 18 anos)

Tinha 18 anos em Janeiro de 1975.

Estava matriculado na Faculdade de Direito, mas a Universidade fechara em Outubro as portas aos novos alunos. O Governo mandou-nos fazer “serviço cívico”. [Nunca me chamaram para nada e, no final do ano lectivo, passaram-me uma declaração/justificação que referia que não tinha realizado serviço cívico por deficiência dos serviços.]

Sem aulas, aproveitei o tempo de outro modo.

Trabalhei no “Centro Desportivo”, no “Correio de Coimbra”, na “Presença Coimbrã” e… era árbitro de futebol.

No início de 1975 fui surpreendido por um texto de Urbano Duarte, publicado como sempre na primeira página do “Correio de Coimbra” , sobre mim próprio.

É um dos momentos marcantes da minha vida.

Ler um texto destes, aos 18 anos, faz bem. Muito bem. Sobretudo quando se vive uma situação pós-revolucionária. [Como costumo afirmar, na brincadeira, naquele momento senti ter mais de 2 metros de altura.]

É este texto que hoje partilho no blogue.

Com orgulho, naturalmente.

Estudante com canastra de pão

Desde hoje aumentou a minha admiração por um estudante que é colaborador do nosso “Correio”. De família modesta – mãe com distribuição de pão e pai contínuo de escola – nunca se envergonhou dos seus.

Aluno exemplar, consciente de que pelo estudo, teria mais oportunidades que os pais para singrar na vida, sempre mereceu notas cimeiras e dispensa de exames.

Com pendor pelo jornalismo, aplica os tempos livres, com uma assiduidade de veterano, à redacção de crónicas desportivas.

Concluído o curso liceal, as maiores esperanças batiam à porta da Universidade que, este ano, como para vinte e oito mil, não se lhe abriu. Abatimento por isso? Não. Ama o trabalho. Todos os triunfos lhe têm vindo do trabalho. Com tais remos, olha foito para qualquer maré.

Há dias, porque o pai adoecera, e não podia valer à mulher como de costume, não sentiu a mínima relutância em substituí-lo na distribuição do pão. Às cinco da manhã, de canastra ao ombro, ei-lo Couraça acima, de porta em porta e galgando as escadas dos fregueses.

Ao café, nunca o pão lhe soubera como desta vez. Sem ares de desgraça. Com o orgulho de não ser parasita. Com a alegria de aguentar o orçamento familiar. Como alguém que se habituou a ir para os locais de estudo como aqueles que se dirigem para os locais de trabalho. Com a mesma naturalidade do filho que, em passeio ou doença, dá o braço ao braço do pai.

Por isso escrevi na primeira linha: aumentou a minha admiração. Com gente desta ganham valor as palavras dos estudantes em favor dos trabalhadores. Mas em boca de quem só queima tempo e dinheiro, as palavras mais parecem escárnio que defesa.

URBANO DUARTE

 

(Publicado no “Correio de Coimbra”  em 9 de Janeiro de 1975. Texto incluído no 2.º volume da obra “Urbano Duarte”, de Manuel de Almeida Trindade, e no meu próprio trabalho de mestrado, que aborda os “Sintomas” de Urbano Duarte no período 1971-1980.)

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