MALÓ DE ABREU *
Quando parto, de onde as pernas me tropeçam por não querer criar raízes, voo feito nau em mar aberto. Hoje homem-castelo. Amanhã flor-de-imbondeiro. Aqui anel de fogo no celeiro. Aí fio de vento no deserto. Aqui planto acácias rubras daí nas muralhas dos meus olhos. Aí canto serenatas daqui à janela dos meus sonhos. E pouso em repouso no cimo da árvore mais alta do meu destino. E descansarei de mim. Por fim.
Depois, regresso à pátria e ao tempo que não passa enquanto desenho sem esperança silêncios na areia em horas de maré baixa. E reinvento palavras que não digo porque são como borboletas amarelas que morrem em segredo quando sonho contigo.
Mas, não me toques a alma. Assim poderei sempre partir. Assim poderei sempre nunca mais voltar.
O Pecado e o Sacrilégio
Ao reler o texto de um jornalista conhecido deparei-me com esta afirmação peremptória: «Ir ao Lubango e não ir à Tundavala, é pior que ir a Roma e não ver o Papa». É que eu já fui a Roma, um sem-número de vezes, e nunca vi o Papa. Para mim, Roma é um deslumbramento para a vida. Roma seduz e vicia. Porque irresistível, a ela me rendo de cada vez que lá vou. E é que eu já fui ao Lubango e nunca vi a Tundavala – «É como voar sem tirar os pés do chão. É uma vertigem e uma emoção. É esmagador, mete medo. É o fim do Mundo…».
Voltarei outras tantas vezes a Roma e com certeza cometerei o “pecado” de não ver o Papa. Mas ao tornar um dia destes a Angola não devo cometer o “sacrilégio” de esquecer a Tundavala. Talvez aí relembre as palavras de César perante o Senado, a propósito da sua vitória sobre Fárnace, rei do Ponto: «Veni, vidi, vici». Mas sem pretensões de ter a meus pés o Império. Nem de rever o Arco de Constantino, o Panteão de Adriano, o Coliseu ou o Fórum Romano.
O que porventura me espantará na Tundavala é o que me apaixona em Roma: a banalidade do belo. E, lá bem do alto da Tundavala, talvez reinvente a mais inesquecível e única das mulheres do sul, a descer segura as escadarias da Piazza di Spagna, tão deslumbrante quanto Anita Ekberg quando Frederico Fellini a decidiu mergulhar nas águas da fonte de Nicola Salvi. Imortalizando-a! Será?
Este nome, Miradouro da Lua, faz-me recordar um dos sítios mais paradisíacos existentes em Angola, na estrada que liga Luanda à Barra do Quanza. Local de paragem obrigatória, para quem, nos seus tempos de lazer, se deslocava da capital angolana até a foz do rio Quanza, como tantas vezes, comigo aconteceu, na companhia do meu saudoso amigo Nuno Valente, albicastrense de gema. Já lá vão mais de quarenta anos, mas ainda conservo na minha memória o aspecto fascinante e poético daqueles elementos estranhos, moldados pela erosão provocada pelas chuvas tropicais, que nos fazem lembrar uma espécie de estalactites ao contrário. Isto é, nascidas do solo e de várias dimensões e feitios.
A mensagem do texto de Maló de Abreu: “desenho sem esperança silêncios na areia em horas de maré baixa”, tem uma conotação poética tão profunda que não pode ser dissociada do silêncio contemplativo e romântico que o Miradouro da Lua transmite a qualquer visitante.