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Alfarelos-Granja do Ulmeiro: o oásis entre Coimbra e Figueira

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EDUARDO AROSO *

Ao José Carvalho, que ama esta terra.

Entre linhas, entre campos, entre sons! Aqui era uma outra foz onde desaguavam os sons distantes e ondulantes das gaivotas da Figueira e as melodias longínquas das baladas de Coimbra! Aqui chegavam a maresia junto com os pregões das peixeiras e os aromas juvenis da cidade dos estudantes. Pelo rio vinha a poesia. O par era a linha férrea, som metálico e pragmático que ainda hoje liga as duas cidades. No trajecto, aqui e ali, como quem respira, parava o bicho de ferro, para logo recomeçar a marcha. Porém, ao chegar à Granja, o suspiro era mais forte e metia-se pelo comboio dentro. Através do vidro, lia-se Alfarelos. Agora a pausa era maior, entre linhas de outros destinos, quebrada depois pelo apito do homem da estação. Um tom que acordava os que dentro das carruagens  dormitavam, mesmo nos bancos duros de madeira, mais duros que o fim da tarde ou o frio das noites de inverno, quando a viagem parecia sempre mais longa.

Em criança, impressionava-me a farda dos revisores e dos maquinistas, que se distinguiam dos que simplesmente conduziam automóveis. Talvez houvesse em mim uma inconsciente relação com a imagem dos polícias e militares; um misto de receio e de espanto. Afinal, o bicho de ferro obedecia mesmo a quem o guiava e a quem lhe dava a partida.

Se a gíria coimbrã sempre apelidou a Figueira da Foz de Coimbra C (!), ali na Granja do Ulmeiro era a pausa para trocas, quando acontecia mudar de comboio. Então, perante os nossos olhos, abria-se a granja, a quem chamavam Alfarelos. Obrigatoriamente, o passageiro descia por alguns momentos. Podia olhar a paisagem, mas talvez que lá longe, em simultâneo, projectasse também os problemas da sua vida; talvez provocasse o diálogo com outros passageiros, enquanto recebia o típico oleado aroma que vinha dos estaleiros. Certo é que cada um aproveitava à sua maneira, dentro da estação ou debaixo de um alpendre, espécie de pálio fixo em ferro forjado bem ornamentado, que fazia da estação, ora um inquieto tempo de demora, ora um oásis suavizante para quem tinha a secura de cumprir horários. Contraste das toneladas movediças de ferro, ora parando ora recomeçando, com aquele da estação alpendre firme e estático, para resistir aos ventos de sal e para agradar aos olhos. Mas o destino não era ali. E a viagem prosseguia.

* Escrito em Julho de 2013, por ocasião de uma exposição de fotografia de José Carvalho, inaugurada nesse mesmo mês, no Gare Caffé, da Granja do Ulmeiro, ainda patente ao público.

Eduardo-Aroso-seccao

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4 COMENTÁRIOS

  1. O meu berço por entre verdes arrozais, que eu «cuidava» menininha descalça, gritando aos pardais, protegendo noite fora com meu pai, quando se «roubava» a água do rio Ega com diques, dormindo no chão quente do estio de espingarda e enxada ao lado. Meu cão «Benfica» ressonava deitado virado para mim, um perdigueiro cruzado que comia todas as cabeças das aves mortas por meu pai, depositando a seus pés os corpos decapitados. Ao lado do papá, numa posição fetal de bebé humano no ventre de sua mãe, a pequena pincher X preta de patinhas e ventre brancos, a Lassie». Ao menor ruído, «Benfica »lambia-me o rosto e rosnava baixinho. Era hora de espreitar os «gatunos» e mandar um tiro para o ar, pois não os ouvíamos com o barulho do motor «Villiers 40» ou do potentíssimo Lister a Diesel.
    Que belo amanhecer cinzento e húmido lendo a minha terra de maneira poética, despertando-me as memórias mais ternas e doces, como se fosse ontem e hoje eu pudesse voltar ao mesmo local e encontrar tudo igualzinho…
    O café arrefeceu e a torrada endureceu, mas «snifo» uma lágrima de saudade que me escorre pela narina, pois voltei a ver o meu querido, amado e saudoso pai nos seus trintas e picos, aquela menina traquina que adora andar descalça de cabelos de palha-de-arroz ao vento ,esvoaçando, meus cães imortais, meus sons, minha lua cheia de Agosto…

  2. Escreve, escreve sempre… prossegue essa viagem de palavras que dentro de ti são alma e no papel, são emoção e vida que abençoadamente partilhas.
    Até fiquei com saudades de Alfarelos! Como foi bom reviver sons, imagens, pessoas e tantos momentos de viagem…
    A força e o encanto que tem a palavra, escrita por quem tem o dom de bem o fazer…

  3. Levou-me às lágrimas! Os encantos da minha terra Natal. As doces lembranças da minha infância. Obrigada!

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