A propósito do novo livro de Carlos Fiolhais, “História da Ciência em Portugal”, que o COIMBRA JORNAL divulgou na semana passada, António Piedade entrevistou o professor do Departamento de Física da Universidade de Coimbra, que, para além do livro, fala-se do passado, presente e futuro da Ciência.
António Piedade (AP) – Porque é que escreveu este livro?
Carlos Fiolhais (CF) – Fiz um curso livre sobre História da Ciência a convite do “El Corte Inglês”, em Lisboa. O livro baseia-se no curso. E é uma maneira de divulgar a história da Ciência em Portugal ao maior número possível de pessoas. É que, como digo, no livro, sempre houve Ciência em Portugal e informação sobre a Ciência deve fazer parte da cultura de qualquer pessoa. Comunicar história da Ciência é uma maneira de alargar a cultura científica.
AP – A quem se destina este livro?
CF – A quem queira saber mais sobre este assunto. Procurei escrever em linguagem comum e incluí no livro muitas figuras, sempre que possível a cores. É, que eu saiba, a primeira obra deste tipo para o grande público.
AP – Pode dizer-se que há uma Ciência portuguesa?
CF – Não. A Ciência é internacional, porque a ciência é a descoberta do mundo e o nosso mundo é partilhado por todos. O que se pode dizer é que há ciência feita por portugueses, cá ou lá fora. Ou ciência feita por estrangeiros cá. Por isso o título é história da ciência em Portugal e não história da ciência portuguesa. Uma parte do livro é dedicada a explicar o valor da liberdade de circulação de pessoas e livros para a construção da ciência.
AP – Como e com quem nasceu a Ciência em Portugal?
CF – Não há nenhum momento mágico de início. Geralmente atribui-se o nascimento da Ciência moderna, isto é a Ciência associada ao método observacional e experimental, à data de 1543, ano de publicação das obras mais importantes de Copérnico e Vesálio, um astrónomo e outro médico. O primeiro afirma que o Sol está no Centro do “sistema do mundo” em vez da Terra e o segundo mostra o interior do homem, revelado pela anatomia. Mas trata-se, claro, de uma simplificação. A Ciência é um processo de construção contínua e já na Idade Média, podemos encontrar, designadamente no século XIII (o chamado 1.º Renascimento), antecessores do processo científico moderno, como Roger Bacon. Em Portugal no tempo de Copérnico e Vesálio houve grandes sábios, como Pedro Nunes e Garcia da Orta, para dar dois nomes portugueses de craveira mundial. Foi aliás um tempo áureo da Ciência portuguesa, esse século XVI, que precedeu o século de Galileu e Newton. E, no tempo de Roger Bacon, tivemos o Papa português Pedro Hispano, que foi médico e filósofo.
AP – Quais os momentos mais profícuos da Ciência portuguesa?
CF – Sem dúvida, o tempo dos Descobrimentos e da expansão que se seguiu, em que descobrimos novas terras, novas espécies, novas gentes. Depois dessa época maior de brilho, onde também pontificaram Amato Lusitano (um médico judeu que correu a Europa) e D. João de Castro (um cientista, militar e estadista que fez os primeiros estudos globais de geomagnetismo), a actividade científica declinou. Houve é certo, a actividade continuada da “Aula da Esfera” em Lisboa, no estabelecimento jesuíta do Colégio de S. Antão, que ajudou sobremaneira na recepção de Galileu e na transmissão da Revolução Científica por ele protagonizada a terras da China e do Japão. Mas voltamos a encontrar intensa actividade, com a recepção plena do Newton, no século XVIII, num processo que culminou com a Reforma Pombalina da Universidade de Coimbra, em 1772. Desempenharam nesse período um papel importante os chamados “estrangeirados”, portugueses” cultos lá fora, mas muito atentos ao que aqui se passava. Depois dessa nova luz voltou a haver sombra. A 1.ª República teve boas intenções mas não teve tempo de as concretizar. E o Estado Novo não foi muito “amigo” da Ciência, perseguindo muitos cientistas. Desde a Revolução de 1974 e, mais ainda, desde a entrada na União Europeia em 1986, voltou a haver novo período de luz. Nunca houve tantos cientistas como hoje. Mas é ainda cedo para escrever a história destes dias mais recentes.
AP – Quais as áreas científicas que mais se destacaram ao longo da história?
CF – A medicina, com Pedro Hispano, Garcia da Orta e Amato Lusitano, que já referi. Francisco Sanches e António Ribeiro Sanches, que estiveram lá fora, nos séculos XVI-XVII e XVIII. Mais tarde, no final do século XIX, Ricardo Jorge e Câmara Pestana, grandes defensores da saúde pública. No século XX, Abel Salazar e Egas Moniz, este o único prémio Nobel português na área das Ciências. Também, claramente, a Matemática e a Astronomia, com Pedro Nunes, no século XVI, Anastácio da Cunha no século XVIII e Gomes Teixeira, no século XIX, e Mira Fernandes, no século XX. A bBotânica, com Avelar Brotero e Júlio Henriques no século XIX. E também a Física e a Química, onde pontificaram, entre outros, Teodoro de Almeida e João Jacinto Magalhães, no século XVIII. O meu livro contém no fim um dicionário de cientistas portugueses ou estrangeiros que por aqui passaram. Mas decerto que a Ciência não são só nomes: são também instituições, como mostra a obra na “Aula da Esfera”.
AP – Como classifica o momento actual da Ciência em Portugal?
CF – No cômputo global da história da Ciência parece-me um bom momento. Houve, com a criação do Ministério da Ciência e Tecnologia, por José Mariano Gago, em 1995, um forte investimento em pessoas e meios. Assistimos a uma forte internacionalização e, nalgumas disciplinas, há grupos de qualidade mundial. Também há alguns portugueses muito reconhecidos internacionalmente, como, por exemplo, António Damásio, João Magueijo e Irene Fonseca.
AP – Qual é, a seu ver, o futuro da Ciência no nosso país?
CF – Pese embora algumas dificuldades na actualidade, resultado em parte das dificuldades económicas do país, quero estar optimista quanto ao futuro da Ciência e do país. Esses dois futuros estão ligados fortemente. A nossa maior riqueza reside nos nossos cientistas, na maioria jovens e oxalá lhes possam ser dadas mais oportunidades. Se não os apoiarmos na medida suficiente, não teremos futuro.