VASCO FRANCISCO *
Semide, Janeiro de 2014
O silêncio da noite conquista a aldeia de rua em rua. Nada mais se ouve, a não ser uma levada de água, que vai moldando os campos e fazendo deles margens de um rio invernal, provocado pelas chuvas e por uma nascente escondida de todos. A água que cai dos beirais lava a solidão das velhas ruas onde já não mora ninguém. Ruas engalanadas que viram partir uns mais velhos e emigrar uns mais novos. Ao olhar aquelas ruas, fica sempre a vida e a memória de gente que nasceu na Beira (região das Beiras) e consigo levou recordações destas terras.
Desço a um bairro mais moderno e aí se vê que a genuinidade ainda continua a acompanhar os tempos. Sinto-me orgulhoso e honrado de aqui ter nascido e crescido, a ouvir o falar desta gente que se entranha nos meus lábios e me transmite conhecimento e carinho. Sinto-me diferente e afortunado por viver entre os verdes campos que me transmitem esperança. Ser aldeão desta terra é poder dar valor ao que a vida nos oferece, desde o cantar de um bonito pardal até à grande festa da padroeira.
Quem aqui nasce, aprende a viver de uma forma única, embalado no som da água que corre e deixa para trás as ruínas de um moinho que chora pelo seu moleiro. É ouvir o som de uma enxada que finca a terra com a força do lavrador, é ouvir os passos de uma mulher que vem da fonte com a roupa lavada no lavadouro, é ouvir o sino chamar à capela a orar em aflição ou em ação de graças. Que alegria poder ver um grupo de crianças que brinca no meio da rua sem receio do trânsito.
Os aromas do campo convidam a parar quem passa e o fumegar de uma lareira aclama a união de uma família que à mesa partilha o mesmo pão, que apesar de não ser muito é pobre mas saboroso. O crime é raro e quando o há acodem-se uns aos outros.
Para descrever uma aldeia, há palavras, mas não há espaço nem tempo para tantas. Tanto se pode dizer sobre as aldeias de Portugal. É nelas que está a verdadeira identidade de uma nação. Quem realmente é aldeão, ou quem por algum motivo gosta destas pequenas terras, vê a sua aldeia desde o pormenor mais escondido até àquele em que mais se destaca. Portugal é um país repleto de história, tradições, paisagens únicas, tem um património riquíssimo e primoroso, assim como nobre e deliciosa gastronomia afamada no mundo inteiro. Desde as cidades às aldeias, Portugal mergulha numa identidade única no mundo, fazendo de si um país genuíno e riquíssimo. Não se pode confundir PORTUGAL, o país de que até agora escrevi, de Portugal, de um navio afundado por uma tripulação pirata que não sabe navegar.
As aldeias de Portugal ainda hoje são a prova viva do trabalho dos portugueses, de que da pobreza se pode alcançar a riqueza e o sucesso, mas sobretudo a felicidade. A felicidade com que o povo vive as tradições e costumes. Desde o Minho ao Algarve, a região das Beiras é talvez onde espirito de aldeão se vive com mais intensidade. Cada aldeia tem a sua identidade, o seu padroeiro, as suas tradições e os seus sabores. Tudo isto faz com que quem realmente ama a sua terra leve na recordação as origens, mesmo que as tenha de deixar. Mas sempre será daquela terra que o viu nascer.
Ultimamente, a sociedade mais jovem tende esconder o nome das suas terras (especialmente, as aldeias). Não há que ter vergonha de dizer de onde somos, mas o que na verdade interessa é o que levamos e o que vivemos nessa aldeia, os conhecimentos, os sabores e o acolhimento de um povo por vezes pobre mas tão nobre.
A chuva parou para que eu escrevesse a olhar o campo que não me canso de ver, o vento segreda-me em voz serena que daqui a poucas horas uma tempestade virá e me avisa para recolher o rebanho. O Sol, que por vezes espreitou, já se escondeu no ocidente e já se vai embalando no berço da noite. A lua por lá anda de candeia acesa, mas hoje não sei se aparecerá. Enquanto não a vejo, sigo a minha lida e adormeço as palavras onde uma se destaca: PORTUGAL.
* aluno do Ensino Secundário, 18 anos
Parabéns Vasco! És uma brisa fresca de esperança neste nosso Portugal que tanto precisa de jovens que sintam e valorizem a realidade da nossa terra.
Parabéns ao autor deste magnifico texto. Também eu que sou aldeão, natural de uma pequena aldeia, duriense, me revejo nesta radiografia, prenhe de ruralidade. O romantismo e o tom bucólico que lhe está subjacente tornam-no numa peça literária de alto nível.
Tive o prazer de ter sido teu professor. A tua sensibilidade destacava-se entre os outros. Continua a escrever. Um abraço.
Eduardo Aroso