Estou desempregado há um ano e uma semana. Lembrei-me de escrever há oito dias uma crónica sobre a situação. Mas deixei passar a oportunidade e não o fiz. Hoje, por isso, venho apenas registar os aspectos sobre os quais queria reflectir.
Queria falar dos amigos. Aqueles que enviaram palavras de solidariedade, os que apareceram para almoçar ou jantar, os muitos amigos que fiz ao longo deste ano. Conheci pessoas fantásticas, acreditem. Queria falar do que andei a fazer durante o ano: o mestrado que concluí, este COIMBRA JORNAL que nasceu às 0h00 do dia 1 de Janeiro. A aula que dei na Universidade de Coimbra, a palestra na Universidade do Tempo Livre, os colóquios no Colégio de Cernache e na Biblioteca Municipal de Cantanhede. Do curso de Inglês e do reencontro com um querido colega de Liceu no Curso Livre de História da Europa. E outras experiências novas.
Queria falar do desconforto de não ter uma actividade permanente, diária, e das estratégias que encontrei para ultrapassar a situação. De como se pode estar ocupado, a trabalhar em tanta coisa, estando desempregado. Dos convites que recebi, alguns… estranhos, que acabaram em “águas de bacalhau”. Queria falar de como é algo deprimente ter de me apresentar, de 15 em 15 dias, na Junta de Freguesia, como se fosse um condenado com obrigação de comparecer regularmente perante as autoridades. E do receio de me esquecer.
Queria falar da ingenuidade que me leva a pensar que tenho lugar na Comunicação Social, sobretudo na coimbrã. Porque sou dos mais competentes (perdoem-me a imodéstia) e não pretendo mais do que o salário de um vulgar funcionário administrativo. E da amargura de ver, por exemplo, os jornais diários de Coimbra caminhar alegremente para o precipício, incapazes de perceber que o tempo e o modo de comunicar são hoje diferentes. Mas eles lá sabem as “linhas com que se cosem”; eu também gosto de andar de avião, mas sou incapaz de me sentir piloto-aviador. E queria falar das respostas bonitas, muito bonitas, embora negativas, que recebi a pedidos de trabalho, designadamente das dos directores de A Bola e da Rádio Renascença. Ficam para as “Memórias” que irei escrever, se Deus me der tempo e talento.
Queria escrever sobre as muitas alegrias que tive ao longo do ano. Há anos disseram-me que «nós somos a cadeira onde estamos sentados». Percebi a mensagem. Queriam “pisar-me”. Felizmente, este ano de desemprego mostrou-me que, mesmo sem estar a trabalhar, estou “sentado” numa cadeira excelente, construída ao longo de quatro décadas de trabalho duro, honesto. Senti não precisar de um “carimbo” para existir como pessoa de bem, respeitada pelos seus concidadãos. Ouvi das palavras mais lindas que já ouvira em toda a vida, conquistei amizades das mais fortes e puras que alguma vez tive. E disse “Obrigado!” tantas vezes.
Foi um ano bom, acreditem. Dos melhores da minha vida. É verdade: continuo desempregado. Mas também essa nuvem negra, acredito, desaparecerá em breve.
Abençoado desemprego….deu para fazer e aprender muitas coisas…feito o balanço… foi produtivo.
Mais uma vez, parabéns!
A sua crónica fez-me relembrar claramente tudo o que tenho vindo a sentir desde que o mercado de trabalho na minha área se fechou para mim!!! Ora porque havia alguém com um curriculum melhor do que o meu, ora porque não vivia no local correto, ora porque não era isto não tinha aquilo, enfim um conjunto repetitivo de justificações que para mim se resumiam num simples “não”. Não esqueço da celebre pergunta que quase todos me fizeram: tem filhos? Sim tenho. Parece que o facto de se ter filhos na nossa sociedade envelhecida é um motivo discriminatório e não um valor.
Tive muitas vezes a sensação de estar a pedir uma esmola em vez de trabalho. Hoje trabalho em algo que nada me diz e nada tem a ver comigo, mas infelizmente tem que ser assim até que novas oportunidades me surjam.
Obrigada por ter partilhado esta crónica.
Que tenha sorte, Mário! Bonita descrição …
Fica provado que, quando o talento e o saber existem, mesmo sem emprego, continuas a trabalhar… e BEM. Bjs
«Apenas é digno da vida aquele que todos os dias parte para ela em combate» (Goethe)
O texto está bem de acordo com a frase escolhida. Viva a coerência (e a persistência).
Um abraço
Eduardo Aroso
Meu Caro Mário Martins,
Os inimigos colocam pedras no nosso caminho. Os que se dizem amigos estendem-nos a mão quando nelas tropeçamos. Os verdadeiros amigos retiram as pedras antes de passarmos.
Tenho tropeçado em muitas. Alguma estrategicamente colocadas pelos que se dizem amigos. Mas acredito que se não fossem os verdadeiros amigos tropeçaria muitas, mas muitas, mais vezes.
Por tudo isto agradecemos aos inimigos (porque sem eles não saberíamos quem são os amigos), aos que se dizem amigos (porque lá vão estendendo a mão, às vezes com visível custo) e aos verdadeiros amigos (porque, apesar de poucos, são preciosos).
Um forte abraço do,
Orlando Castro
Mário, li a sua crónica e” gostei,” senti que foi um desabafo em voz alta.
A vida por vezes preganos partidas, mas é preciso ter fé, o que tiver que ser, terá muita força, porque, atráz de uma serra alta está sempre outra mais alta.
Um abraço
Como o compreendo Mário …e como o compreendi desde o dia em que nos revelou o seu desemprego… porque eu senti isso na familia tenho um filho que ao 48 anos ficou desempregado depois de 25 Anos de Del. de Inf. Médica … com 2 filhos ao tempo com 4 e 10 anos…com mudança de casa há 1 ano…e tudo o que toda a situação acarretou de desmoralização…tristeza..desespero…etc….hoje pensamos estar ultrapassado…pois criou o seu próprio emprego…e a vida há-de reabilitar-se …mas custa muito…Mário, tenha Fé há sempre uma luz ao fundo do túnel… e o Sol há-de nascer para Si assim como nasceu para o meu Filho… Há mais marés que marinheiros…Toda a felicidade do Mundo para Si…Um Beijo com amizade…!!!