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A carta de Ricardo Castanheira

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À Comissão Federativa de Jurisdição do PS/Coimbra

Processo 5/2014

 

Acabo de ser notificado da minha expulsão/suspensão do Partido Socialista, em Coimbra.
Alguns bons Amigos sugeriram que fizesse apelo ao Direito para contestar a acusação; mas não segui a indicação, pois, de tão frágil e ignóbil, a dita merece apenas estas parcas linhas.

Motivo da expulsão/suspensão: ter demonstrado entusiasmo (com outros ilustres cidadãos, entre os quais socialistas) por um movimento cívico e supra-partidário – repito cívico e supra-partidário – em Coimbra, nas últimas eleições municipais.
A (única) prova apresentada: o texto seguinte, que escrevi, em 4 de Março de 2013, para o “Movimento de Cidadãos por Coimbra”:
«Num mundo globalizado as cidades readquiriram relevância enquanto espaços de criatividade e de produção intelectual, cultural e económica. Coimbra tem todas as condições para ser uma cidade com um futuro tão grandioso quanto o seu passado. O atavismo não é uma fatalidade. Este movimento novo, plural e eclético apresenta-se como um sinal dos tempos e de esperança. Tudo, por Coimbra!»

Muitas conclusões se poderiam tirar deste sinuoso processo que me foi movido e da correspondente acusação. Mas, ainda não é o tempo e, por isso mesmo, ficarei apenas por algumas considerações, que julgo as mais pertinentes.

A primeira, por ser a mais grave, é que existe delito de opinião no Partido Socialista de Coimbra. A prova produzida (texto acima) demonstra cabalmente que não existe liberdade de pensamento nem de ação. É tudo uma farsa que enche a boca dos que discursam com flácida pompa e nenhuma circunstância. Em alguns casos, com certeza, tiques ainda de partidos por onde já passaram…

Ao escrever o presente testemunho recordei, por diversas vezes, Mário Soares e Manuel Alegre. Pelo que ajudaram a definir o PS como o Partido da Liberdade. Pelo que contribuíram para as liberdades em Portugal. E, também, porque quando estiveram, recentemente, em candidaturas presidenciais opostas nenhum militante socialista foi expulso ou suspenso (e bem!) nos seus direitos por ter assumido a liberdade de apoiar um (Alegre) em detrimento do outro (Soares), ainda que tal representasse estar contra a decisão formal dos órgãos nacionais do Partido!..
Aliás, o resultado do movimento cívico de apoio a Manuel Alegre foi, posteriormente, importante para o próprio PS. Afinal de contas, é o próprio PS que, de há vários anos a esta parte, estimula e apoia o aparecimento destes movimentos de abertura à sociedade civil: não foi assim com os Estados Gerais de António Guterres?.. Não foi assim com as Novas Fronteiras de José Sócrates?.. Não é isso que AJ Seguro pretende com o Movimento Novo Rumo?.. Afinal de contas, esses apelos aos movimentos de cidadãos que exorbitem as paredes do partido eram/são genuínos ou oportunistas?!..

Mas, onde estão violados os princípios basilares do PS naquela minha declaração?… O meu texto, que serve de único elemento de prova na acusação, ensombra ou ofende a orientação política do PS?.. Agride a honra dos dirigentes ou militantes?.. Não creio! Quando o escrevi pensei muito mais no desmando da gestão PSD dos últimos anos que no próprio PS, confesso!

Ao tomar a decisão de escrever o mencionado texto nada me foi prometido, nem recebi algo em troca. Nada! Fi-lo por imperativo de consciência e por Amor a Coimbra.
Aliás, apesar de estar há três (3) anos a viver a muitos milhares de kilómetros de Coimbra continuo a acompanhar diariamente o que aí se passa e a exercer a minha cidadania (ainda que virtualmente) como se nunca tivesse saído de lá.
Eu saí de Coimbra, mas Coimbra nunca saiu (nem sairá) de mim!

Mas, seguindo a lógica, e hipoteticamente dando razão aos que requereram e aos que ditaram o meu afastamento, então, significa literalmente que o atual PS/Coimbra entende que:
– Num mundo globalizado as cidades NÃO readquiriram relevância enquanto espaços de criatividade e de produção intelectual, cultural e económica.
– Coimbra NÃO tem todas as condições para ser uma cidade com um futuro tão grandioso quanto o seu passado.
– O atavismo É uma fatalidade.
– Os movimentos cívicos, enquanto espaços plurais e ecléticos NÃO se apresentam como um sinal dos tempos e de esperança.
Se o que escrevi ofende, então só o seu contrário pode merecer a concordância!.. Não é assim?..

Nasci em Coimbra. Quero-a com todos os seus defeitos e virtudes. Há muito que lhe jurei fidelidade e, por isso mesmo, não aceitarei nunca um qualquer destino que lhe desejem impor. Seja que partido for!
Primeiro Coimbra. Sempre. Só depois, muito depois, os diretórios partidários! Estes existem para servir a democracia e, com isso, ajudar a construir projetos de cidadania melhores. Supostamente…

O PS ganhou as últimas eleições autárquicas em Coimbra? Sim, sem dúvida. E Coimbra, ganhou? Não sei!
A verdade é que observados friamente os resultados deve refletir-se! Senão vejamos: Manuel Machado é, hoje, o Presidente da Câmara eleito com a menor percentagem de votos em relação ao número de eleitores: 17,5%. Ou seja – e isto são números e não opinião – 82,5% dos eleitores do concelho de Coimbra não votaram no PS. Não vale a pena refletir nisto?..
Mais ainda, pela primeira vez, o número de eleitores que, em Coimbra, não quiseram fazer uma escolha taxativa – ou seja, somada a abstenção, os votos em branco e nulos – foi superior aos que fizeram a opção no candidato A, B e C. Também este fato não merece ponderação?..
Estes números são o reflexo irrefutável de uma saturação profunda e de um descontentamento popular perante a organização dos partidos políticos em Portugal.

Os partidos em Portugal ainda não compreenderam o que se está a passar no Mundo e o PS, em Coimbra, não compreendeu o que se está a passar em Portugal.
Pois bem, foi antevendo que isto poderia (e iria) acontecer que há muito defendo, e escrevo, que Coimbra deveria dar o exemplo ao país de um projeto supra-partidário para desenvolver e modernizar a cidade. Supra-partidário quer dizer também com os partidos e os militantes dos mesmos e não contra os partidos ou contra os militantes destes.
A isto chama-se opinião e convicção, cuja razão o tempo cuidará ainda mais de comprovar, mas por isso sou acusado e por isso se propõem expulsar-me/suspender-me.

Mas, importa dizer bem alto, que: além da consciência muito tranquila, acresce ainda o orgulho de ser afastado do Partido Socialista pela simples razão de ter opinião. É, obviamente, um bom motivo! Sobretudo num partido (em Coimbra) onde outros “camaradas” ainda continuam tranquilamente a militar, apesar das condenações judiciais, das violações à ética republicana, das falsificações de fichas, das múltiplas investigações criminais e afins. Dois pesos, duas medidas…

Finalmente, importa explicar esta coisa da expulsão e da suspensão.
Começaram, na acusação, por lavrar todo um raciocínio que conduziria inelutavelmente à expulsão (recorde-se, com base no texto que acima transcrevi!). E, eis que subitamente, advogam apenas pelas suspensão dos direitos por 18 meses. Pois bem, para que fique claro: dispenso a indulgência política, o cinismo acusatório e a covardia. Repugna-me a ficção da acusação da primeira à última linha, pelo que decido sair pelo meu próprio pé e não gastarei mais cêra com tão maus defuntos!
Talvez já o devesse ter feito há muito tempo, mas a esperança na mudança das práticas e das pessoas foi-me fazendo ficar. Agora, chegou a hora!

Mas vou andar por aí!..

Ricardo Castanheira

Brasilia, 14.02.2014

PS – O cartão de militante seguirá por correio.

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1 COMENTÁRIO

  1. Grandes atitudes, grande dignidade, só de grandes HOMENS! Não digo isto pelo facto de não pertencer ao ps, mas sim por uma questão de justiça e reconhecimento do bom carácter que já vai escaceando na sociedade em que vivemos! Parabéns e vá andando por aí que bem precisamos de pessoas que não vejam na política apenas um jogo de interesses!
    Os meus melhores cumprimentos.

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