O complexo dispositivo, instalado no Instituto Paul Scherrer (Suíça), que permitiu realizar as medições
ANTÓNIO PIEDADE *
Os cientistas não têm uma actividade solitária. Muito pelo contrário, a ciência é hoje, e mais do que nunca, um empreendimento colectivo e global. Muita da ciência moderna é desenvolvida em projectos internacionais, ou melhor, transnacionais, que envolvem centenas de investigadores em diversos países. A interdisciplinaridade exigida pela natureza e complexidade de diversas investigações assim o obriga. Os projectos científicos envolvem não só cientistas mas também engenheiros, técnicos, gestores e outro pessoal auxiliar e necessário.
Existem em Coimbra muitas equipas de investigação científica, quer da Universidade, quer do Instituto Politécnico, que participam activamente em projectos científicos internacionais. Uma delas pertence ao Centro de Instrumentação da Universidade de Coimbra (no Departamento de Física), e participa numa investigação internacional cujo objectivo é o de determinar, com a maior precisão de sempre, o valor para o raio do protão.
A participação portuguesa nesta investigação, Coordenada pelo físico Catedrático Joaquim dos Santos, inclui ainda investigadores da Universidade de Aveiro. A equipa de Coimbra desenvolveu os detectores usados nas experiências que decorrem no Paul Scherrer Institut, Suíça, o único centro de investigação do mundo capaz de produzir uma quantidade suficiente de um outro tipo de partículas, os muões, necessários para esta investigação.
Mas voltemos ao raio do protão. O protão é uma das partículas constituintes básicas da matéria. Por exemplo, o átomo de hidrogénio contém um protão e um electrão que o orbita. Conhecer as propriedades e características desta partícula é importante para compreendermos o universo em que existimos (nós, naturalmente, também somos constituídos por protões). Para além do conhecimento em si, o estudo dos constituintes da matéria é a fonte para o desenvolvimento das tecnologias que usamos no nosso dia-a-dia.
O raio do protão está a ser um grande quebra-cabeças para a comunidade científica mundial. Isto porque as últimas medições do raio do protão efectuadas em duas experiencias complementares, ambas com a maior precisão de sempre, mostram valores diferentes para o tamanho do protão. Uma experiência utiliza hidrogénio normal (com um electrão a orbitar o protão) e a outra recorre ao hidrogénio muónico (com um muão, uma espécie de electrão 200 vezes mais pesado, a orbitar o protão).
O que os cientistas verificaram, com grande surpresa, é que o raio do protão orbitado pelo muão é menor cerca de 4% do que o do protão orbitado pelo electrão! E isto coloca um grande problema a uma das teorias mais sólidas e bem estudadas da Física: a Teoria Eletrodinâmica Quântica, que descreve a interação entre a luz e a matéria. Ou esta teoria está incompleta ou, então, estamos perante um novo fenómeno físico desconhecido que pode obrigar a novas leis físicas.
«As duas experiências apresentam as medições mais rigorosas de sempre e uma não desmente a outra. Estes resultados estão a gerar um amplo debate na comunidade científica internacional porque a Teoria não tem uma explicação para esta nova peça que obriga a repensar todo o puzzle. O facto de o protão “encolher” quando orbitado por um muão pode parecer um detalhe, mas é possível que estejamos perante um novo fenómeno essencial que viabilize a exploração de novas vias com implicações futuras no nosso dia-a-dia», realça Joaquim Santos num comunicado da Universidade de Coimbra.
Os resultados destas experiências, que decorrem desde 2010, têm sido publicados nas mais importantes e prestigiadas revistas científicas do mundo, como sejam a “Nature”, a “Science”, a “New Scientist”, entre outras mais especializadas. Neste mês de Fevereiro é a vez da revista “Scientific American” dedicar a sua capa a este assunto do raio do protão. E mais uma vez, os nossos cientistas aparecem citados no artigo de fundo dedicado a este enigma da Física actual.
É bom saber o que por cá se faz de excelência e de fundamental para o desenvolvimento da ciência.
Capa da revista norte-americana referida no texto
* Consultor científico no projecto Ciência na Imprensa Regional / Investigador na Universidade de Coimbra