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Conversas [Vasco Francisco]

beiral

 

VASCO FRANCISCO *

A vida conta mais um dia, este que finda no ato mais natural desta paisagem. Som e cor, o horizonte é verde e a hora é perfeita. Sete horas badalam no sino da torre, esta que faz plano nas fotografias mais antigas deste recanto. A nudez de um cordeiro que acaba de nascer traz ao mundo um novo louvor por parte do pastor que olha a cria que a ovelha lambe e limpa com um afeto tão maternal. Tudo nasce e renasce nesta natureza primaveril. Como uma simples paisagem pode curar a moléstia. Não há melhor remédio para o stress. Um frasco de ar puro, um frasco de silêncio, duas doses de água fresca e a infinita contemplação, de uma paisagem tão simples e tão bela. Tudo se conjuga num único cenário, os pardais que cantam, a água que corre, as árvores em flor, as urzes e os tojos, os malmequeres campestres, até aprofundar a visão nas flores miudinhas do horto e dos saramagos. O verde constante dos campos e os raios de sol incidem nos lameiros e nos telhados sujos que o vento vai varrendo quando sopra. Não há palavras que se escrevam para descrever este que é um dos mais bonitos quadros que já vi.

Um rosto que chega da cidade é saudado por um aldeão, que olha o estudante e percebe de onde ele vem. Debaixo de um beiral sombrio, quatro homens, todos reformados, aproveitam o despejar do dia para pôr a conversa em dia. Estes homens que aconselham os mais jovens com curiosas lições de vida, histórias de velha idade, que farão para sempre sentido por parte do neto, do vizinho ou do visitante que as ouve. A conversa remete aos fazeres da lavoura e das sementeiras, ao quotidiano de uma aldeia beirã e quando por vezes se desvia o assunto cai sobre as palavras os temas que se vão ouvindo nos meios de comunicação. Dizem que para eles a vida não está má, mas que para mim, jovem estudante, o futuro tem de se agarrar como este se oferecer. Dizem que já sustentaram os filhos e trabalharam em tempos também eles difíceis mas diferentes. “Crise”. Desbravam a palavra com vozes grosseiras e irritadas, com angústia e tudo acaba a dizer que somos governados por mais de 40 ladrões. Um mulherio que passa na rua entra na conversa e os homens desprezam a cultura das mulheres, que desviam a conversa a dizer que já nem têm dinheiro para os medicamentos.

Ouço estas conversas com curiosidade e confirmo que há tantas maneiras de ver o estado em que vivemos. Em 18 anos, já vi no mundo serem eleitos três papas e três presidentes da República. Igreja e política, e é com o número 3 que enuncio o que mais se fala no mundo: politica, religião e inovação. A palavra que mais me assusta é a política, por momentos penso que não vale a pena pensar nela, mas alguém dizia que «a História diz-nos quem fomos, mas é a política que tem de nos dizer quem iremos ser». Esse alguém foi uma das pessoas que melhor descreveu Portugal até hoje, José Hermano Saraiva. Como católico reconheço erros e certezas, mas a verdade é mentira para alguns. A inovação é a única palavra em que me fio, essa sim, sei que não para de surpreender. O mundo avança, a mudança é constante, a tecnologia é talvez o maior engenho que suporta o mundo. Para inovar é necessário preservar, sonhar e realizar, só assim se completa atualmente a vida humana. No tempo dos quatro homens que estavam sentados à sombra não havia metade das coisas que hoje há. Pessoalmente, acredito que naquele tempo a vida seria mais alegre, quanto mais se inova mais preocupações aparecem, mas sem inovação não se vai longe. Até eles que nos transmitem e preservam o que tinham há uns 70 anos atrás, hoje não conseguem viver sem o que de novo apareceu.

A inovação não está presente apenas nos objetos, nos novos meios, mas sim também nas próprias pessoas. O ser humano também traduz uma grande parte da inovação, desde o sentimento ao mais irregular.
Inovar é o principal ato do mundo, que o meio rural acompanha e por vezes salienta e concretiza a própria inovação com mais força.

Os últimos raios de sol lançam-se já com um ar frio e leve. Um carro chega à povoação e dele sai uma família que faz da aldeia o seu lar e da cidade o seu mealheiro. Estacionado debaixo de um velho telheiro, onde se expõe um antigo carro de bois, que sobressai na recordação, o automóvel faz daquele coberto a sua garagem. A lua já se vê, branca e saliente, como candeia da noite que brilha conjuntamente com as estrelas que a rodeiam e que alumiam a escuridão que esmorece na madrugada.

Semide, 13 de março de 2014

* aluno do Ensino Secundário, 18 anos

web-Vasco-Francisco

[Nota: o autor escreve segundo o novo acordo ortográfico.]

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3 COMENTÁRIOS

  1. Muito bem. Gostei muito deste texto. Não há melhor cenário como o que lhe serve de base, a ruralidade, para nos transmitir os sentimentos de uma comunidade, caractarizada pela sua ancestralidade, onde a simbiose do tempo, do espaço e da natureza humana melhor retratam o seu modus vivendi.
    Estamos perante um jovem muito promissor no campo literário.

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