(Jornal de Notícias, 2 de Abril de 1992)
MÁRIO MARTINS
O comportamento da Comunicação Social no 1.º de Abril, o “Dia das Mentiras”, é sintomático do divórcio crescente entre os produtores e os consumidores de informação. E o que se passou ontem em Portugal fornece pistas para uma reflexão sobre o assunto.
Ainda não há muitos anos, praticamente todos os “media” publicavam no dia 1 de Abril uma (ou mais) notícias falsas. Trata-se de uma espécie de jogo, que leva os leitores, os ouvintes e os espectadores a tentarem descobrir onde está a notícia que não é verdadeira. Esta situação, repetida todos os anos, aproxima os meios de comunicação do respectivo público, para além de reflectir uma relação de cumplicidade, de afectividade. E – no final – ninguém se zanga.
De há uns anos a esta parte, as mentiras do “media” no dia 1 de Abril têm caído em desuso, muito por culpa de uma nova geração, possuidora de uma visão tecnocrática da Comunicação e ignorante da história dos próprios meios onde desenvolve a sua acção. O Jornalismo tornou-e mais frio, mais cinzento perdeu a alma. E as “notícias” do Dia das Mentiras acabaram.
A Bola e Record de ontem
Ontem, em Portugal, houve pelo menos dois jornais que mantiveram a tradição: A Bola e Record. Curiosamente, dois jornais desportivos, sector onde a defesa dos valores da tradição e a proximidade aos leitores é maior. Nem Paulo Bento deixou a lista dos convocados para o “Mundial” na mesa de um restaurante, nem Pinto da Costa e bruno de Carvalho fizeram as pazes em Fátima. Os leitores perceberam isso quando abriram os jornais, sorriram, elogiaram talvez a criatividade dos jornalistas e o mundo continuou a girar como até então, mas agora mais bem-disposto. [E ainda há quem se admire com as elevadas tiragens dos jornais desportivos. Este é, apenas, um dos muitos ingredientes da “receita do sucesso”.]
Mas não se pense que esta viragem para um jornalismo inodoro, esterilizado, tecnocrata, frio e cinzento, que afasta a brincadeira do Dia das Mentiras dos “media”, acontece em todo o Mundo. Nada disso. Ontem, em Inglaterra, grandes jornais (The Independent, Daily Telegraph, The Guardian, Daily Express, The Mirror e The Sun) publicaram a “mentira do dia”. E porquê? Por uma razão simples: querem estar próximos dos leitores e reflectem a cultura da sociedade a que pertencem.
A própria Google não se coibiu de assinalar a data com o (falso) lançamento de uma nova aplicação para selfies.
Apesar de poder parecer uma questão de somenos, o comportamento dos “media” perante a tradição do 1.º de Abril acaba por revelar muito sobre os meios de comunicação social e os jornalistas.
PS – O COIMBRA JORNAL assinalou o dia 1 de Abril com a possibilidade de ser obrigatório pagar portagem para circular na Ponte de Santa Clara, um tema que foi comentado aqui no blogue e no Facebook por várias dezenas de leitores. Foi… divertido.