MARIA FONSECA DOS SANTOS *
Muito se fala do mercado de trabalho e de como está difícil para todos. Eu só poderei falar pelos recém-licenciados.
Alguns de nós somos privilegiados por ainda termos feito o ensino superior com a ajuda dos nossos pais, mas chega uma altura em que pedimos trabalho para ganharmos a nossa independência, para ganharmos experiência, para podermos entrar no mercado de trabalho e começarmos a construir a nossa vida profissional, ao mesmo tempo que investimos mais um pouco na nossa vida pessoal. Mas esse momento está longe de ser atingido antes dos 30 anos.
A área da minha licenciatura é Comunicação, mais ligada ao Jornalismo. O mercado da Comunicação está saturado, mas se existe a cada esquina nas principais cidades uma agência de comunicação, o mesmo não se pode dizer de órgãos de comunicação social em que se pode fazer produção de conteúdo: notícias, reportagens e outros artigos do género.
E se essa pessoa for como eu, a viver em Lisboa, a concorrência é ainda mais feroz: pode ser o lugar do país onde ainda há emprego mas também é o sítio com mais desemprego, pelo que quem se “safa” tem muita sorte (e, na crença do meu bom coração, deve ser um profissional digno). Porém, apenas estou a cumprir um rito de passagem que todos os licenciados, pelo menos os da minha área, se veem obrigados a cumprir..
Fazemos os nossos três/quatro anos de licenciatura a estudar e a trabalhar em projectos associados à faculdade para mostrar que criámos portefólio muito cedo. Fazemos pequenas reportagens, escrevemos alguns artigos de opinião, colaboramos na cobertura de eventos da faculdade e da cidade e vamos percebendo como é investir num projecto diferente. Alguns até já estagiaram em alguma empresa, enquanto faziam o último semestre, para estarem mais bem preparados para o que aí vem.
Somos licenciados em Junho e temos agora a vida pela frente. Uns decidem aproveitar o Verão e outros começam logo a enviar currículos para qualquer coisa que lhes pareça bem. O primeiro desafio é tentar arranjar uma entrevista, alguém que se interesse pelo nosso percurso académico e pela nossa ainda escassa experiência. Por vezes somos chamados, outros simplesmente desistem de obter alguma resposta e decidem investir na formação, em realizar cursos ou a entreter-se com um projecto totalmente independente. Ou então, simplesmente, aproveitam a vida enquanto vivem em casa dos pais.
Um dia, por sorte, somos chamados para uma entrevista e isso dá frutos: começamos a trabalhar na segunda-feira numa empresa pequena, a realizar um estágio curricular não remunerado de três meses que, depois desse ano de experiência, poderá passar para um estágio profissional renumerado e com o apoio do IEFP, com a duração de um ano. Engolimos o sapo, de não nos pagarem nada, apenas um subsídio de alimentação e o passe, o que dá mais ou menos 150 euros por mês, por um “full-time” de 40 horas semanais (fazendo as contas, recebemos muito menos de um euro por hora). Ou então nem nos pagam nada e aceitamos, porque queremos meter essa experiência no currículo.
Esses três meses estão quase a terminar e o nosso empregador, que até nos elogiou pelo trabalho, diz que não poderemos ficar na empresa, pelo que não vamos passar para um estágio profissional (isto já é esperado, pois, dentro da empresa, percebemos que apenas há duas ou três pessoas com um estágio profissional e que parte do plano da empresa é ir renovando os estagiários, um “item” muito dispensável, de três em três meses).
Já sabíamos que seríamos ‘despedidos’ mas não há como não ter um sentimento de frustração ou de desilusão: parece que não vale a pena sermos bons e fazermos bem o nosso trabalho, pois este não será valorizado. Custa-nos sermos despedidos, de sentirmos que a empresa não conta connosco, que somos iguais aos outros, que somos apenas dispensáveis e facilmente substituídos.
Os três meses acabam e a procura recomeça de novo, mas agora sem o mesmo entusiasmo. Somos mais críticos na nossa entrega de currículos, pelo que não queremos trabalhar “de borla”, a empresa tem de ser alguma coisa “de jeito” e o trabalho tem de ser mais do que actualizar o Facebook e mandar notícias para outras empresas. Queremos ser mão-de-obra activa, ser responsáveis, fazer projectos criativos, fazer reportagens com valor humano e cultural, investir nas redes sociais de forma inteligente, promover uma marca, trabalhar numa empresa e vermos o nosso trabalho ser recompensado e sentirmos que temos valor. Queremos mostrar ao país que somos qualificados, temos licenciaturas e que elas servem-nos de alguma coisa e que nos possibilitam subir na vida.
Mas a segunda demanda não se concretiza. Lemos e relemos 10 propostas de emprego todos os dias e não nos servem: ou porque pedem experiência mínima de um ano ou até de três, ou porque é outro estágio de três meses com a ilusória possibilidade de ficarmos na empresa, ou porque não temos as qualificações pedidas (já vi um anúncio em que pediam um jovem com um mestrado em Marketing com média igual ou superior a 14 valores para fazer o mesmo que uma outra empresa semelhante pede a um recém-licenciado).
O problema também começa nas empresas. Percebemos que os estágios apoiados pelo Estado são oferecidos por pequenas empresas com menos de 20 empregados. Os estagiários que não têm esse veículo à empresa vão rodando e não é possível construir-se uma equipa sólida para pensar em investir em projectos. Sendo uma empresa de fracos recursos, o investimento em tudo – equipamentos, aplicações online, redes sociais, websites e design de comunicação – tem de ser grátis, pelo que nenhuma empresa irá querer pagar 10 euros por mês para ter uma conta premium em qualquer serviço online que possibilite a construção de um website, uma revista ou uma newsletter profissionais. Para além de que apenas o primeiro estagiário é comparticipado a 100% pelo Estado, o segundo estagiário com um estágio do Impulso Jovem do IEFP já só é comparticipado em 80%, pelo que a empresa terá de assumir custos com esse estagiário, para além dos que tem mensalmente (água, luz, electricidade, internet, etc.). Assim, percebe-se porque é que esta medida de ajuda à criação de emprego não é um salva-vidas para as empresas, pois esta não sai a custo zero, como é quase publicitado.
Em resumo, a nova geração depara-se com o desafio de tentar arranjar experiência para construir o seu futuro para mais tarde poder dar grandes saltos. Porém, como é que se pode ter experiência em sucessivos estágios não pagos de três meses? Um currículo que mostra que um recém-licenciado mudou três vezes de empresa num ano não é motivador para o futuro empregador.
Um dos atalhos que é percorrido por cada vez mais licenciados é continuarem os estudos, quer seja a fazer cursos de formação em várias áreas, quer a investir em pós-graduações e mestrados. Para quem continua a vida académica, o dilema persiste: como justificar a um empregador que somos um óptimo profissional pois temos uma pós-graduação em Comunicação Interna, ou Marketing, ou Jornalismo, se nunca trabalhámos em nenhuma empresa? Como é que nos podermos dar ao luxo de continuar os estudos por mais um ano ou dois e, ao mesmo tempo, trabalhar para conseguir experiência e portefólio? Valerá a pena investir num mestrado para no final ser mestre mas sem qualquer experiência em trabalhar no mundo empresarial, sem saber lidar com clientes?
É este o retrato que faço desta nova geração: uma geração que percebe que a licenciatura já não dá garantias de emprego e que tem de apostar numa experiência que não lhe é verdadeiramente proporcionada, uma vez que o mercado está mais interessado em sobreviver à custa da exploração de pessoas com o ensino superior do que em formar jovens que só muito mais tarde serão minimamente profissionais independentes. Pedem-nos experiência mas não nos dão. Pedem-nos que sejamos profissionais quando não temos condições para nos tornarmos num empregado moderno. Pedem-nos tudo mas não nos dão nada.
Muitos argumentam que devemos parar com este ciclo vicioso, não aceitarmos as propostas e não enviarmos currículos para essas empresas. Mas será que podemos apostar a nossa vida e ficar à espera de uma oportunidade razoável, sem recorrer à famosa “cunha”? Não tenho nada contra quem quer apostar a sua vida na espera, pois são muito corajosos. Mas eu sou mais fraca e, infelizmente, dou em doida se não estiver a fazer nada.
Às vezes apetece-me dizer «Deixem-me dormir e chamem-me quando houver emprego em Marte». Mas depois levanto-me da cama e passo mais um dia a tentar trabalhar, a ter ideias, a manter-me entretida, a procurar cursos e conhecimentos novos, a ler artigos sobre o futuro, a tentar construir um projecto meu.
Vou vivendo, sim. À espera, sim. Mas em movimento.
* recém-licenciada