FERNANDO CALADO RODRIGUES *
Um bispo que no seu discurso inclua a defesa dos mais pobres e oprimidos, rapidamente é catalogado como de esquerda, comunista ou “vermelho”. Aconteceu assim entre nós, antes e depois do 25 de Abril. E já há quem considere assim o actual Bispo de Roma.
No próximo domingo completam-se 25 anos sobre a morte de D. António Ferreira Gomes, um exemplo emblemático da defesa da verdade e da oposição à ditadura no interior da Igreja Portuguesa. Foi também ele um dos primeiros a denunciar os erros e exageros pós-revolucionários.
Um outro bispo que viria a receber os mesmos epítetos foi D. Manuel Martins, uma voz incómoda ao denunciar situações de exploração e miséria humana como as que encontrou em 1975, o ano em que tomou posse da recém-criada diocese de Setúbal, de que foi o seu primeiro bispo.
Há dias, numa curiosa entrevista a cinco jovens belgas, o Papa referiu que devido ao seu discurso em defesa dos pobres e à preferência que lhes dedica, alguém o classificou como comunista. “Não. Essa é uma bandeira do Evangelho, não do comunismo: do Evangelho! Mas a pobreza sem ideologia, a pobreza… E por isso creio que os pobres estão no centro do anúncio de Jesus. Basta ler o Evangelho”, reagiu.
Por isso, não é de estranhar. Nem ninguém se deve escandalizar quando os bispos, de uma forma mais ou menos contundente, anunciam os valores do Evangelho e denunciam as injustiças. Espera-se que eles sejam a voz dos que não têm voz e os catalisadores do empenhamento de todos na luta contra a pobreza. D. António Francisco dos Santos aproveitou a tomada de posse da diocese do Porto para lançar o desafio: “Sejamos ousados, criativos e decididos sempre, mas sobretudo quando e onde estiverem em causa os frágeis, os pobres e os que sofrem. Esses devem ser os primeiros, porque os pobres não podem esperar!”.
De estranhar é quando eles são esquecidos nas palavras e nas atitudes dos líderes religiosos. Motivos de escândalo são todos os cristãos que suspendem os valores em que acreditam e que compactuam com situações de exploração e de opressão. Preocupante é quando nos tornamos insensíveis ao sofrimento humano e embarcamos na “globalização da indiferença” que o Papa denunciou na ilha de Lampedusa.
(Texto publicado no Correio da Manhã de 11/04/2014)
* padre da diocese de Bragança-Miranda. Autor do blogue “Igreja e mundo”.