EDUARDO AROSO *
Atravessamos a ponte e estamos no outro lado da aldeia. Vejam lá uma terra assim onde passa o maior rio português! Atravessamos e, logo antes de Santa Clara-a-Velha, rolas mansas e pardais têm um som mais nítido, fora do ruído concentrado da outra banda, onde abundam mais cucos e melros… Afinal, animais e árvores têm as suas preferências, por isso, em certos locais, dão-se melhor. Os humanos também. Mas as bicadas são outras.
A construção do velho convento, ao tempo de D. Mor Dias e da Rainha D. Isabel, foi uma acção de marginalidade relativamente a Santa Cruz. Hoje, no mundo profano, diríamos algo como uma oposição parlamentar, se é que isso ainda existe! Por isso, a chamada margem esquerda (que não é por ser esquerda, mas por ser do outro lado que é o da direita) foi, no passado, uma espécie de mexida muito incómoda ao outro lado da aldeia. Agora há – entre outros – um problema para o lado do convento: fizeram um telheiro de cimento, nem rústico nem urbano, em forma de barriga (inspiração no modelo arquitectónico já desaparecido tipo «vacas gordas») que atrapalha quem passa e até quase o sítio onde brincam as crianças, um bonito local dos pequenitos, e por pouco não lhe estragavam as brincadeiras.
Mas, no meio de tudo isto, a Rainha Santa escolheu esse lado para viver (só ela sabe porquê), enquanto o seu esposo “lavrava” as Letras na outra margem. Isabel, senhora da paz, vai de dois em dois anos ao outro lado da terra e dorme lá uma noite, regressando depois. Deu o exemplo para as cortes e presidências abertas, ainda que, do lado poente, esteja sempre disponível para atender. Mas o que ela talvez queira dizer é que o rio (naturalmente) divide, mas as pontes (humanamente) devem ligar. E não fiquemos com baixa auto-estima por vivermos nesta aldeia, que é o que é e o que fizermos dela, porque Almeida Garrett disse do Porto ser a sua «aldeia com muitas casas»!