FERNANDO CALADO RODRIGUES *
Vinte e seis mulheres escreveram ao Papa a pedir a revisão da disciplina do celibato, disponibilizando-se para transmitirem em viva voz as suas histórias de amor com sacerdotes, algumas assumidas, outras clandestinas. Esta iniciativa, para além de relançar o tema, demonstra como o Papa gerou um ambiente de abertura e de diálogo, de tal forma que as pessoas não têm receio em lhe expor as suas ideias e acalentam a esperança de serem por ele recebidas e escutadas.
O Papa Francisco tem-se referido esporadicamente a esta questão, mas ainda não clarificou a sua posição. Contudo, é conhecido o pensamento do cardeal Bergoglio. Nos diálogos com o rabino Skorka, abordou o tema sublinhando que esta não é uma questão de fé, mas de disciplina – e que, por isso, pode ser mudada. Dizia porém: “Para já, sou a favor de que se mantenha o celibato, com os prós e os contras que ele tem, porque são dez séculos de boas experiências mais do que de más”.
Em relação aos relacionamentos dos sacerdotes que teve de gerir, nunca alinhou com situações dúbias ou escondidas. “Se um deles me aparecer a dizer que engravidou uma mulher, ouço-o, procuro transmitir-lhe paz e, aos poucos, faço-o perceber que o direito natural é anterior ao seu direito como padre. Portanto, tem de abandonar o ministério e tomar conta daquele filho, […] porque, tal como aquela criança tem direito a ter uma mãe, também tem direito a conhecer o rosto de um pai”.
O teólogo Vito Mancuso, num artigo publicado no jornal “La Repubblica”, defende que “chegou o momento de integrar as experiências dos dois milénios anteriores e de fazer com que aqueles padres que vivem histórias de amor clandestinas (que serão bem mais de 26…) possam ter a possibilidade de sair à luz do sol, continuando a servir as comunidades eclesiais às quais eles vincularam as suas vidas”. O exercício do ministério presbiteral sairá a ganhar com isso e, afirma Mancuso, “muitos milhares de padres que deixaram o ministério por amor a uma mulher poderiam voltar a dedicar a vida à missão presbiteral”.
Resta-nos aguardar a resposta do Papa a essas 26 mulheres. As suas palavras deverão indicar a abordagem que se fará, neste pontificado, à questão do celibato.
(Texto publicado no Correio da Manhã, em 23/05/2014)
* padre da diocese de Bragança-Miranda. Autor do blogue “Igreja e mundo”.