VASCO FRANCISCO *
A cidade vai sobressaindo de forma serena de uma fina neblina que se desvanece lentamente. O silêncio toma conta de ruas ainda desertas, mas que vão retomando o ruído citadino. A cidade desperta com o falar das gentes que vão chegando dos arrabaldes. São as primeiras pessoas a calcar os passeios pela manhã.
Os “bons dias” entre elas e o quotidiano dos arredores soam nas ruas mais fechadas onde se abrem as primeiras janelas. Uma criança enlaça os pequenos dedos na mão da mãe. Veio hoje à cidade. Um mundo diferente daquele a que está habituada. Um trólei passa na rua e com um ar intrigado e de ligeira sabedoria o miúdo sai-se com uma pergunta que logo fez soar risos aos que o ouviram: “Ó mãe que casa é aquela com dois paus às costas?”.
Toda esta gente que madruga para vir para a cidade traz um objetivo comum, ganhar a vida para viver. Estudantes, empregadas, funcionárias, enfim um conjunto de ofícios que se juntam ao dia-a-dia de uma cidade. Por entre esta gente, chego eu. Rumo ao que me traz, mas antes de começar mais um dia, descontraio num passeio matinal que agora começa.
O dia promete ser soalheiro. O burburinho da cidade começa a sentir-se. A natureza convida a vislumbrar a Lusa Atenas de um sítio único, tão belo e tão natural. Do Penedo da Saudade, dirijo o meu olhar a uma cidade que daqui parece maior e mais bela. Não admira que tenham escolhido este recanto para o “retiro dos poetas”. Qualquer ser que por aqui passe leva um verso na alma. Uma vista única sobre um pedaço de uma cidade que acaba de acordar. As serras que se avistam deste promontório pedregoso, transmitem um ar puro que aqui se detém e ao mesmo tempo deslumbram a cidade com o seu verde constante que transmite esperança a uma cidade repleta de nostalgia. Num plano mais perto, vejo uma urbanização moderna onde o traço da genuinidade ainda se mantém. O Mondego corre lentamente com as suas águas embaladas na saudade e nas lágrimas de um amor tão afamado.
Julgo que seja um dos locais mais bonitos desta cidade. Fazendo-se cenário da tristeza de um grande amor, este miradouro outrora designado por Pedra dos Ventos onde D. Pedro vinha chorar a perda de Inês, um lugar onde Coimbra se torna a poetisa deste recanto. Nas pedras está gravada a saudade e a homenagem por parte de muitos estudantes à cidade que os acolheu e que os ensinou.
É momento de seguir este roteiro matinal. Deixo o Penedo onde as pedras parecem chorar, pelo orvalho que ainda escorre, lavam-se os versos de saudade, mas os versos ficam e a minha alma vai, leva consigo a paixão de uma cidade.
Os passos ecoam nas ruas e na companhia deles entro no Botânico, onde a natureza se apresenta mais requintada. A Ciência está presente neste jardim onde todas as espécies são atracção. Sinto e deslumbro, mas nada mais do que isso. Percorro o jardim de um lado ao outro, a fauna e a flora convidam-me a relaxar, assim o faço sem paragens pois dizem-me que vai fechar. Ao sair, depois da fachada onde Brotero dá as despedidas e as boas vindas, levo a paisagem do pulmão da cidade. A natureza sente-se aqui como algo diferente e de tão natural numa cidade.
O passeio parece estar a acabar. Termino em descanso, sentado num banco de pedra que um canteiro trabalhou para que alguém se sentasse. Assisto ao corrupio matinal da Baixa da cidade. A zona histórica prende-me ao fascínio que tenho por esta cidade. E assim junto-me ao cenário da Praça 8 de Maio, onde a igreja de Santa Cruz ocupa o plano principal. Sei que tenho de ir, mas fico mais um pouco para entender a beleza destas pedras que me transportam ao passado.