Aguardei – com a mansidão que deve presidir ao relato de actos como o que vou passar a informar – que algum interveniente ou participante pudesse verter nestas páginas a descrição da Apresentação do Livro de Urbano Duarte.
Do autor, o Mário Martins, não se esperava essa manifestação porque – pensou ele – poderia ter uma interpretação pouco favorável à sua forma de ser como homem/pessoa e de estar como profissional da Comunicação Social. Retratar a própria obra de que foi o fazedor e o mentor seria presunção… e poderia ser, também, um auto elogio.
A sessão, na qual decidi participar como convidado, estava composta de um público heterogéneo, desde o anónimo simples, passando por algum professorado universitário e clérigos da Diocese, até a ex-alunos da figura que o Livro foca – uma parte dos escritos do “Correio de Coimbra” – e a pessoas que conviveram e admiraram Urbano.
A sala estava cheia e o ambiente pressentia a presença de um Urbano que, vida fora, foi esclarecido, emblemático, tocante, contagiante, clarividente e muito sensível aos aspectos da vida humana, dos casos dos seus semelhantes e, ainda, de uma Igreja de perdão, de vida, de amor e de solidariedades.
Revi, aqui e ali, uma ou outra pessoa que, fazia muitos anos, não tivera o gosto de ver ou de cumprimentar. Na maioria dos casos, todos foram cordatos e simpáticos, mas houve quem fizesse vista cega para não ter de me saudar… Coisitas menores com as quais passo bem… Gentinha que não cabe no perfil humano dos ensinamentos de Urbano.
A sessão foi, para mim, uma Jornada debruada a um ouro fino, porque os palestrantes, sem maçar a plateia, estiveram num patamar da excelência do trato das palavras, do pensamento, do discurso e da mensagem.
Foi uma Jornada evocativa da Obra, de um certo e determinado tempo da nossa vida colectiva como Povo e como Nação; celebrativa de um trabalho, o do Mário com qualidade, seriedade factual e histórica e, também, com muita pesquisa; recordativa de um Homem, de um Padre, de um Jornalista e de um Professor que marcou gerações e uma época; enaltecedora da eloquência e magnitude da acção de Urbano Duarte nessas vertentes; digna para quem o Livro retrata e, também, para quem o formatou; e, ainda, contemplativa por banda dos dois palestrantes que souberam expôr, com classe e muito saber, o que a todos ali levou.
O Mário, o primeiro interveniente – e fê-lo com mestria – não quis demoras, foi rigoroso, abordou o essencial, justificando a razão de ser da Obra que emergiu do seu trabalho da Faculdade. Deixou aos convidados oradores, a responsabilidade de falar dele, da obra e do visado no Livro. Esteve à altura do acontecimento… e deixou-se estar à margem das estrelas e das constelações, apesar de se sentir o cintilar da sua alegria pelo dever cumprido.
O Dr. Lino Vinhal, empresário ligado à Comunicação Social Regional e Director do “Campeão das Províncias”, afirmando-se com uma mestria de comunicador, soube captar o auditório não só pela forma “sábia” como abordou o grafismo da capa, desde o estilo (corpo), passando pela cor da capa e da letra adoptada, até aos espaços “em branco” e à paginação – numa observação de gabarito, de muitos anos de “tarimba” – colocou um determinado “enfoco” na expressão facial e no olhar do personagem e, ainda, no gesto que, espontaneamente, está presente na mão esquerda.
O seu discurso foi, aqui e ali, polvilhado de uma linguagem amena e provocatória no bom sentido, e de um “dito ou outro” de intervenção que teve a facilidade de refrescar o conteúdo.
Os elogios – marcantes – da personalidade do homem, da qualidade do jornalista e da seriedade do Cidadão Mário Martins não cansaram porque rasgaram o caminho da verdade, situando-o num lugar que só se atinge com sacrifícios, trabalho, honra, pundonor, alma, esforço e dedicação.
De Urbano, teve o Vinhal a franqueza de o apresentar como um amigo ou conhecido de passagem, mas socorreu-se –bem – da amabilidade de o contextualizar como um vulto da Igreja, do Jornalismo nacional e um Homem fadado para o Ensino.
Não se detendo na Figura de um Padre e de um Homem que não era vulgar, porque intelectual e culto, apresentou-o como a pessoa a cruzar a Fé e a Cultura, que teve o condão de abanar consciências, denunciar atitudes desprezíveis, apelar a bons sensos, dignificar as suas/nossas gentes, gritar contra as injustiças, descrever episódios mundanos, e compreender os seus alunos e a sua juventude irreverente de uma maneira transparente e com uma lucidez invejável.
O Vinhal, apesar de tudo, sabia quem era esse “monstro” da Igreja Portuguesa, esse Professor que arrebatou gerações e esse Jornalista que engrandeceu e enobreceu a Comunicação Social portuguesa.
A sua exposição foi um diálogo que dispôs o auditório a escutá-lo, porque nem um bocejo se pressentiu…
Como o vincou, ligeiramente, para que as interpretações de uma assistência multifacetada não pudessem “crismá-lo” de passadista, elegeu Urbano como a figura que, na nossa sociedade e neste século, precisávamos para se fazer luz e justiças. A necessidade da leitura, como o reflectiu ainda, é semente que deve frutificar, num tempo e num modo em que a sociedade portuguesa se politizou, os políticos se mediocrizaram e os portugueses estão descrentes e amorfos. Precisamos de “urbanos” e de gente que nos consiga arrebatar.
Não posso deixar de agradecer ao Vinhal – perdo-me esta informalidade do trato – a lição que, com simplicidade de linguagem, palavras doutas e expressões emotivas me transmitiu. Tocou-me a alma e levei-a mais confortada… Tocou-me o coração e carreguei-o mais aconchegado…
O Pe. Jesus Ramos, aproveitando o seu doutoramento em “História da Igreja” e o facto de conhecer Urbano Duarte, acentuou uma voz que prendeu a assistência, conseguindo abordar os aspectos mais exemplares da figura de Urbano, tendo-o “classificado” como um contemplativo, além de o ter situado no seu tempo, como Assistente do CADC, numa época de homens de magnificência intelectual e de brilhantismo de fé, numa simbiose perfeita entre a Cultura e esta última.
Disse-o sem medos e “vergonhas” que a Sociedade conimbricense, a Igreja Diocesana e a própria Universidade de Coimbra precisavam, neste nosso tempo de “cinzentas” águas, de afundamentos de ideias e de políticas, em que o Ocidente está mergulhado por ter perdido o fio condutor da sua génese cristã, de figuras como Urbano e de outros pensadores (se a memória não me atraiçoar) – Pacheco de Amorim, Cardeal Cerejeira, Braga da Cruz e outros – para se agitar, e no bom sentido, as massas e as nossas gentes. Precisamos de mais espiritualismo… necessitamos de mais evocação de um Deus que é, como disse e bem, amor e perdão.
O Pe. J. Ramos teve a coragem e a ousadia de deixar, perante ilustres presenças, algumas das quais identificadas com uma esquerda que não se revê em certas expressões, alguns recados, provocando os pastores e as ovelhas, de uma Igreja que – argumentou – deve estar viva e actuar nesta época de “ousadias” políticas, de crises e de falta de clarividência para se enfrentarem situações que a todos prejudicam. Exaltou o Humanismo Cristão da Igreja, uma matriz que faz falta nestes tempos de desnorte e de miserabilismos de todo a ordem, até mesmo de âmbito político e de programas que possam fazer fermentar a vida. Achei até que poderia ter dito que a Europa está a precisar de ser REEVANGELIZADA…
Enquadrando a passagem terrena de Urbano, a sua acção junto do Centro Católico e como Director do “Correio de Coimbra”, usando a expressão – antes e no tempo dele porque – disse – o “depois” estará por se escrever e não terá, por enquanto, o “lustro” linguístico e metafórico da sua escrita, o Pe. Ramos captou o auditório. A sua formação em História determinou um ou outro passo e compasso das suas opiniões, deixando interrogações para uma reflexão mais aprofundada da Vida e da Obra de Urbano Duarte.
A si, Pe. Ramos, que foi meu Chefe de Redacção e com quem aprendi muita coisa, estou-lhe grato pela sua “lição” que passarei a guardar na minha “algibeira” do conhecimento e da minha bagagem cultural.
Quase como nota final, referir que o orgulho de Pai (do Mário Martins) – estou certo – foi ouvir, ao cair do pano, a intervenção de uma filha que, notou-se, estava feliz, emocionada e que soube enaltecer o trabalho do “seu” Mário. Mas deixou-lhe um desafio que demostra a convicção que ela tem de reconhecer, no pai, a experiência e a sabedoria – suficientes – para ele conseguir trazer á estampa, mais um ou outro trabalho que possa deixar uma marca sobre o teu caminho de jornalista.
A sessão foi, para mim, um momento de recordações evocativas de um tempo, o da minha adolescência, onde, e no D. João III, aprendi a ser Homem, a formar-me para a vida e a dar os primeiros passos no jornalismo que, por variadas razões, acabei por abandonar.
E, se me permitem, porque já não tenho idade para me calar, não “caso” com certas desditas e jogadas que tentam manietar opiniões livres e desapaixonadas. O meu campo de batalha, sempre visou, alicerçado nos ensinamentos que me transmitiu Urbano Duarte de que me fiz amigo e com quem partilhei alguns espaços da minha vida – quantas noites no Manuel Júlio e aquelas férias com o João Bizarro em Sagres, no Algarve, além de outros convívios, a denúncia de injustiças, o grito por mais e maior humanidade e a defesa de uma maior dignidade humana, a bem de todos e dos Homens meus irmãos…
António Barreiros Martins (colaborador permanente do COIMBRA JORNAL)